quinta-feira, outubro 04, 2007

O Sonho de Marie

Example ( Ilustração por João Miguel )

Sete horas da manhã. Marie levantou da cama, despiu sua pele de seda, amassada com a noite inquieta. Fez sua crônica matinal, ainda nua. Sentia-se bêbada da noite passada, junto a uma sensação de ter dormido não mais que alguns minutos. Então começaram os delírios.

Abriu a porta do quarto e adentrou na sala, como uma aventureira que adentra numa virgem caverna escura. De repente uma escada prateada a conduz ao andar seguinte, onde há uma porta entreaberta. Nua, desliza seu passo sobre os degraus. Hesita em escancarar a porta, então somente olha pela fresta aberta o que se encontrava do outro lado.

Viu um homem e uma mulher trocando nervosas carícias. O homem, arranhando a pele jovem e rosada, como quem deseja sua presa e certifica-se que ninguém mais a possuirá senão ele. A mulher, mesmo que submetida a dolorosas gasturas, corre com a ponta dos dedos seus ombros e costas, acariciando-o ternamente. Marie ao ver aquela cena sentiu vibrar o ventre, foi quando teve certeza que estava grávida.

Então todo o sólido chão desfez-se. Sentiu uma levitação que a empurrou contra a porta, caindo num precipício que dava para um fundo de luz clara ofuscante. Só quando o brilho diminuiu pôde ver a cena mais estrondosa de sua vida. Duas pessoas em volta de uma cama, contemplando uma mulher dando a luz. Estranhamente essas duas pessoas apenas olhavam, enquanto a mulher, berrando agonizada, paria seu fruto já maduro. Marie começou a chorar, e rezar, e chorou mais, desejando que todo aquele parto se abreviasse para que ela pudesse saber como era o rosto de seu filho.

Então a mulher solta seu ultimo suspiro e força a criança para fora de seu corpo, expelindo-o numa bacia posta entre suas pernas. Nesse momento um dos dois que estavam observando adianta-se e com uma faca velha e enferrujada, corta o cordão umbilical em dois pontos distintos, um perto do umbigo da criança e outro já na saída do corpo da mulher. O outro expectador, antes imóvel, também se adianta, pega o recém-nascido e embrulha-o num lenço negro de seda, enquanto o outro estende o fragmento de cordão umbilical e entrega-o a mãe. Os dois viram as costas e desaparecem na escuridão.

A mulher na cama permaneceu impassiva. Marie gritou. Gritou desesperadamente. Sangue jorrou em suas pernas. O mundo começou a silenciar. Marie agora gritava em silêncio. Pisca os olhos e, baque! Estava em sua cama. O relógio de cabeceira marcava exatamente seis horas e cinqüenta e nove minutos. Retomou a consciência. Ao seu lado ainda dormia o mesmo homem que enxergava em seu sonho, por entre a fresta da porta entreaberta. Sentiu o ventre vibrar.

4 comentários:

Larissa Gomes e Mai Dornelles disse...

Gostei! Apesar das âncias que vc queria passar e acabou passando. haha.. e como eu disse, sempre noto um "tema" parecido no que vc escreve...
bjo!!

Thaís Figueiredo disse...

Ehehehehehe, e qual seria esse tema parecido? Enfim, muito bom, João! Juro eu senti a gastura da mulher aqui, ehehehe. Você criou uma personagem bastante forte e interessante! Beijão e parabéns! =]

seconscientize disse...

Eu não conhecia este lado poético do meu caro amigo João. As palavras viram uma melodia, uma verdadeira poesia com muito sentimento envolvido a cada frase que eu leio. Eu sinto que este blog logo logo será a sensação das mulheres hehehe=)
Parabéns, Johnny!=)

Anônimo disse...

Juaum! O que foi isso, meu véio! Que história mais... AAAAAHHHH!!! Eu quero escrever que nem você quando crescer!
Um abração, rapaz!