terça-feira, outubro 09, 2007

O Pirarucu Voador

Example

No Amazonas, à beira do Rio Negro, vivia Zé. Zé morava isolado da sociedade numa cabana flutuante às margens de um igapó. Não tinha família, nem aspirações. Passava a maior parte do ano sozinho em sua cabana móvel. Sua vida era marcada por amigos que partiram ao longo do caminho, por folclores da floresta, e sonhos que muitas vezes dizia ele terem realmente acontecido.

Entre os sonhos vividos, Zé orgulhava-se de um em especial. O Pirarucu Voador:

“Uma noite sonhará que estava em sua canoa de pesca lá pelas tantas da madrugada, e decidiu que tinha que pescar um pirarucu. Saiu remando em direção ao breu da imensidão do rio. Levara somente um lampião de fogareiro, a rede, linhas e uma lata com um tanto de pirão de peixe para o café da manha. Após jogar a rede, foram horas de espera, o sol raiara e nada. Uma aurora alaranjada brilhante se revelava, foi quando de repente, Zé sentiu um puxão numa das linhas.

“Desta vez eu te pego, seu pirarucu danado”, pensou. Como se movido por alguma força sobrenatural, o peixe começara a puxar a linha com uma força descomunal, fazendo o barco movimentar-se cada vez mais rápido! Para a surpresa de Zé o barco toma velocidade! Logo emerge da superfície brilhante, primeiro as barbatanas, depois por completo um ser incrivelmente enorme.

“Meu deus, deve ter uns dez metros”! Zé não podia acreditar no que seus olhos presenciavam, o pirarucu estava por completo fora da água, e rumava à altura dos céus, fazendo subir junto com ele o barco com um Zé apavorado atrás. Estava voando! O barco estava voando!

O pirarucu o levara para passear entre as nuvens, mais alto que qualquer árvore que Zé jamais sonhara subir. Tendo certeza de que nada mais seria tão espantoso quanto estar naquela situação, Zé quase caiu do bote quando o pirarucu resolveu falar com ele, numa voz estrondosa:

- “Enfim surgiste”, resmungou o pirarucu.
- “Para onde estás levando-me?”, disse Zé.

O pirarucu então o respondeu:

- “Ouça homem, a partir de agora tens duas opções. Ou continuas dentro de tua canoa e subirás comigo à imensidão do cosmos, tornando-te assim estrela. Ou saltas agora para as águas do rio, e assumirás a mesma forma que eu, condenado a vagar na escuridão do rio até que algum outro mal afortunado te pesques”, afirmou.
- "Ai de mim! Não posso saltar da altura que estamos! Certamente morrerei com o impacto. Tampouco desejo sumir na infinitude do universo", lamentou.

Atordoado com tudo aquilo, Zé toma sua decisão. Ergue-se à borda da canoa e com os braços abertos inclina-se para frente, já preparando-se para a queda em direção ao negro rio. Quando estava prestes a pular, o pirarucu voador lhe adverte:

- "Cuidado com as piranhas. São bem ariscas".

E assim Zé deixa-se cair, da altura das nuvens ao rio. Enquanto caía, contemplou por alguns momentos a beleza daquele nascer de sol. Tão brilhante que iluminou cada centímetro de seu ser com uma prazerosa sensação de paz. Também mirou a imensidão verde que despertou em seu peito a delícia de ser parte daquela natureza, de ser filho daquela mata, de onde nunca arredara o pé. E logo abaixo, uma imensidão de água negra se aproximava a cada segundo com mais e mais velocidade, que Zé uniu todas as forças de sua alma, e clamou a alguém com toda a sinceridade:

“Se homem não sobreviverei nesta água, transformai-me em peixe, para que talvez um dia eu volte a ver as estrelas de perto”.

Que assim seja. E assim foi.

Example
( Ilustração por João Miguel )

5 comentários:

Unknown disse...

Nossa achei os textos e os desenhos muito bons!
Eu sempre achei que vc desenhava bem!Gosto desse seu jeito figurado de desenhar =]
E vc tambem sempre escreveu bem , vc ate tirou jah ss com a yara neh ehoiaoiea vc é mais artista que eu!
abraço!

seconscientize disse...

Que legal as suas ilustrações, Johnny=)

Kamaal disse...

legal o seu também. os desenhos são muito bons!

gkrieger disse...

Cara, não sei se aí está um jornalista, um escritor ou um desenhista. Melhor. Pode ter uma mistura dos três. Nem parece trabalho de faculdade...

Unknown disse...

Me lembrou O Velho e o Mar... Que linda poesia, John. Muito sensível, vc tá demais!!!! Bjs
Sheila