sábado, dezembro 01, 2007
Dê Lírios
( Ilustração por João Miguel )
Há uma velha lenda contada por meu tataravô ao meu bisavô, que com ela também fantasiava meu avô em noites mornas de verão, que por sua vez contava ao meu pai, que a mim levava ao lago Mizuumi para comtemplar o reflexo do grande monte Koyama na água, enquanto me dizia o que estou prestes a dizer-te, meu filho.
Quando miras o monte Koyama, tens a impressão que a metade de baixo é iluminada e alegre, mas que a metade de cima padece numa misteriosa penumbra. Muito difícil é alcançar seu pico. Somente uma pessoa conseguiu e - ao descer - trouxe consigo outra vida e a lenda da secreta mulher do monte Koyama.
Contava o aventureiro que isolada em seu cume, lá onde ninguém a não ser ele chegara, havia uma modesta casa. Nela uma mulher vivia secretamente desde os tempos da gênese fantasiosa de nossa alma. Por nunca ter convivido com outras pessoas, a velha era desprovida de autoconhecimento. Ao olhar-se no espelho não se reconhecia, não se sabia. Conseqüentemente não possuia reflexo. Ao invés disso cultivava o prazer pela beleza das coisas naturais, e a simplicidade de sua vida.
Imagine, meu filho, quando o aventureiro pela primeira vez mirou ao longe aquela velha casa e ao seu redor infinitos campos floridos, jardins prodigiósos, todos cobertos com lírios, milhares de lírios que a mulher cultivava. Ao aproximar-se sentiu o vento que trazia um eterno perfume de flores tão rico e tão presente naquele lugar, vindo daquela vastidão dos mais belos lírios que ele já vira. O mundo inteiro ao seu redor tinha um aroma tão doce e alegre que ele esqueceu o cansaço da subida, largou todo o peso que carregava em suas costas, e deixou-se cair naquela grama verde e macia, adormecendo profundamente.
Quando acordou sua primeira visão foi a de um ambiente fechado e turvo. Recobrou a consciência aos poucos e de repente, mais perfume! O mesmo! Como era puro e agradável! Tudo aquilo parecia um grande delírio. Um delírio nítido, na cor de um céu de fim de tarde. Levantou-se da cama e deparou-se com pratos e mais pratos de comida à sua volta. Eram frutas perfeitamente maduras, chás de todas as ervas mais saborosas, e bolinhos de arroz cuidadosamente preparados. Calma e serenamente ele corria atrás de uma explicação para tão prazerosa sensação. Ponderou que aquele delírio era causado por aquele ar perfumado de todos aqueles lírios que cercavam a casa, com tamanha presença que influenciava no sabor de todos os alimentos. Garantiu-se que não poderia perder seu rumo naquela viagem. Comeu, levantou-se e caminhou até a porta, que já estava aberta. Lá fora uma tarde amena.
Ele avistou a mulher, que colhia lírios no meio de um de seus jardins. Primeiro ela cheirava lentamente a flor e depois arrancava somente uma de suas pétalas. Ela o mirou e sorriu. Depois entrou em casa, passando por ele à porta. Disse que estava feliz por ele ter chegado ali e adormecido em seu campo, e convidou-o a entrar e sentar-se a mesa. Ela preparou um chá das mesmas flores que acabara de colher, e serviu ao aventureiro que não hesitou em tomar. No mesmo instante aquela sensação de delírio cessou. E ele pôde voltar a raciocinar, embora não soubesse se estava contente ou não por isso.
- Como se sente? - disse ela carinhosamente.
- Nunca senti sensação igual. Ao entrar nesse lugar, todos esses lírios... - ele respondeu.
- Você gostaria de experimentar essa sensação mais uma vez? - riu a velha.
- Sim! Com certeza! Me explique como, por favor! - disse ele, sentindo uma súbita empolgação.
- Só há um jeito. - ela advetiu.
- Diga-me qual é, minha senhora?
- Vá embora.
- Como?
- Sim. Vá embora. És jovem - disse ela, simplista.
- Mas, por quê? - ele não entendia. Por que a velha desejava que partisse? Assim sem nenhum motivo.
- Tens que autoconhecer-te. E para isso tens que ir embora. Se tú ficares em um mesmo lugar, nunca conheceras os outros e si mesmo. Algumas horas aqui já bastam para ti, e tenho certeza que delas não te esqueceras nunca. - ela afirmou.
- E a senhora? Alguma vez esteve nalgum outro lugar? - questionou ele.
- Não, sempre estive aqui com meus Lírios. Os conheço melhor que a mim mesma. E este é o meu delírio. Minha vida inteira esperei pela pessoa que aqui chegasse para voltar, pois se tu estás aqui é porque mereces. - riu.
- Ainda não entendo - disse ele, angustiado.
- Quando desceres a montanha entenderás. - disse a velha com um tom de quem encerra um diálogo.
Então o aventureiro saiu confuso. Mas seguiu em frente. Descer a montanha era o que faria. Lembrou do Koyama visto de baixo. Quem poderia imaginar que aquele cume escuro pudesse guardar tão precioso local.
No caminho de volta o aventureiro espantou-se com a beleza daquela montanha. A vegetação era brilhante e multi-colorida. O vento, os pássaros e as folhas das árvores produziam sons que encaixavam-se numa perfeita harmonia. Cada centímetro de mundo tinha sua razão de existir, e ele compreendeu que não cabia a ele modificá-lo ou destrui-lo, mas sim preservá-lo. Ao descer uma passagem estreita teve um vislumbre de sua cidadela lá embaixo, onde seus vizinhos viviam todos os dias suas vidas rotineiras. No horizonte um pôr-do-sol que pintava de dourada toda aquela paisagem. E nisso compreendeu que o mundo inteiro por sí próprio é o maior delírio que existe.
Ao chegar no sopé da montanha, ele olhou para cima e vislumbrou o monte Koyama por inteiro claro e colorido. Toda a parte escura e nublada sumira e agora ele enxergava tudo. Talvez nunca o fizesse se não tivesse aventurado-se a buscar o desconhecido, sem medo do que encontraria pela frente. Sentiu orgulho de si mesmo.
Lá embaixo, meu filho, o aventureiro retornava para sua casa, feliz e tranquilo. Lá encima, a mulher preparava a terra com esmero, pronta para plantar mais um lírio.
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terça-feira, outubro 09, 2007
O Pirarucu Voador
No Amazonas, à beira do Rio Negro, vivia Zé. Zé morava isolado da sociedade numa cabana flutuante às margens de um igapó. Não tinha família, nem aspirações. Passava a maior parte do ano sozinho em sua cabana móvel. Sua vida era marcada por amigos que partiram ao longo do caminho, por folclores da floresta, e sonhos que muitas vezes dizia ele terem realmente acontecido.
Entre os sonhos vividos, Zé orgulhava-se de um em especial. O Pirarucu Voador:
“Uma noite sonhará que estava em sua canoa de pesca lá pelas tantas da madrugada, e decidiu que tinha que pescar um pirarucu. Saiu remando em direção ao breu da imensidão do rio. Levara somente um lampião de fogareiro, a rede, linhas e uma lata com um tanto de pirão de peixe para o café da manha. Após jogar a rede, foram horas de espera, o sol raiara e nada. Uma aurora alaranjada brilhante se revelava, foi quando de repente, Zé sentiu um puxão numa das linhas.
“Desta vez eu te pego, seu pirarucu danado”, pensou. Como se movido por alguma força sobrenatural, o peixe começara a puxar a linha com uma força descomunal, fazendo o barco movimentar-se cada vez mais rápido! Para a surpresa de Zé o barco toma velocidade! Logo emerge da superfície brilhante, primeiro as barbatanas, depois por completo um ser incrivelmente enorme.
“Meu deus, deve ter uns dez metros”! Zé não podia acreditar no que seus olhos presenciavam, o pirarucu estava por completo fora da água, e rumava à altura dos céus, fazendo subir junto com ele o barco com um Zé apavorado atrás. Estava voando! O barco estava voando!
O pirarucu o levara para passear entre as nuvens, mais alto que qualquer árvore que Zé jamais sonhara subir. Tendo certeza de que nada mais seria tão espantoso quanto estar naquela situação, Zé quase caiu do bote quando o pirarucu resolveu falar com ele, numa voz estrondosa:
- “Enfim surgiste”, resmungou o pirarucu.
- “Para onde estás levando-me?”, disse Zé.
O pirarucu então o respondeu:
- “Ouça homem, a partir de agora tens duas opções. Ou continuas dentro de tua canoa e subirás comigo à imensidão do cosmos, tornando-te assim estrela. Ou saltas agora para as águas do rio, e assumirás a mesma forma que eu, condenado a vagar na escuridão do rio até que algum outro mal afortunado te pesques”, afirmou.
- "Ai de mim! Não posso saltar da altura que estamos! Certamente morrerei com o impacto. Tampouco desejo sumir na infinitude do universo", lamentou.
Atordoado com tudo aquilo, Zé toma sua decisão. Ergue-se à borda da canoa e com os braços abertos inclina-se para frente, já preparando-se para a queda em direção ao negro rio. Quando estava prestes a pular, o pirarucu voador lhe adverte:
- "Cuidado com as piranhas. São bem ariscas".
E assim Zé deixa-se cair, da altura das nuvens ao rio. Enquanto caía, contemplou por alguns momentos a beleza daquele nascer de sol. Tão brilhante que iluminou cada centímetro de seu ser com uma prazerosa sensação de paz. Também mirou a imensidão verde que despertou em seu peito a delícia de ser parte daquela natureza, de ser filho daquela mata, de onde nunca arredara o pé. E logo abaixo, uma imensidão de água negra se aproximava a cada segundo com mais e mais velocidade, que Zé uniu todas as forças de sua alma, e clamou a alguém com toda a sinceridade:
“Se homem não sobreviverei nesta água, transformai-me em peixe, para que talvez um dia eu volte a ver as estrelas de perto”.
Que assim seja. E assim foi.
( Ilustração por João Miguel )
Perfil - "Sem tempo para ler"
Vivemos hoje numa “sociedade de informação”. Ao nosso dispor, estão inúmeros meios de alcançar a informação, seja através de revistas, jornais, folhetos, cartazes. Parece irônico, mas há pessoas que diariamente estão em contato com esses meios, porém não podem usufruir de seu conteúdo.
Jaílson dos Santos, 40 anos, é funcionário de uma banca de jornal e revista numa quadra residencial de Brasília. Seu rosto já é familiar para muitos que moram na quadra e compram em sua banca. Afinal, ele trabalha a oito anos nesse local, tempo exato desde que deixou sua terra natal, o Pará, para tentar uma vida mais sustentável e segura. Ao seu lado, Gionete, 28 anos, esposa e companheira de trabalho, com quem não possui filhos ainda.
Jaílson veio para trabalhar a serviço de um sujeito a quem ele chama de “Seu Sebastião”, o proprietário do local. Ele diz fazer parte de uma continuação do negócio. “Essa banca já existe a mais de quarenta anos, só estou puxando a carroça adiante, sou apenas um funcionário” - brinca.
Quarenta anos. ”Seu Sebastião” mantém funcionários trabalhando todos os dias da semana em sua banca. E se para ele soa um bom negócio, para Jaílson é trabalho que não acaba mais. “Todos os dias chegam revistas novas, mas também saem várias outras, então todos os dias eu faço a distribuição dos exemplares que chegam, e a seleção dos que vão sair para a reciclagem. E ainda atender todos os clientes!” Tarefa que sua mulher o auxilía, conta Jaílson.
A proposta de um emprego fixo na capital fez Jáilson deixar o Pará, onde levava uma vida pobre, ajudando seu pai como comerciante. Porém ele diz que agora está mais satisfeito que antes, trabalhando a oito anos num mesmo lugar. Ganha um salário suficiente para manter um apartamento numa quadra residencial próximo de onde trabalha. ”Se eu morasse em outra cidade satélite, teria que tomar quatro ônibus por dia, dois na ida e dois na volta, então esse é um ponto positivo do meu trabalho”, ressaltou Jáilson.
“Não é que eu não goste de ler. Simplesmente não tenho tempo para isso!” disse ele. “Além disso, eu não tenho condições de comprar revistas tão caras.” E citou algumas revistas mais populares.
Com todas as tarefas diárias de coordenação da banca, mal lhe sobra tempo para aventurar-se numa leitura. Jáilson é um grande leitor de capas.
Jaílson dos Santos, 40 anos, é funcionário de uma banca de jornal e revista numa quadra residencial de Brasília. Seu rosto já é familiar para muitos que moram na quadra e compram em sua banca. Afinal, ele trabalha a oito anos nesse local, tempo exato desde que deixou sua terra natal, o Pará, para tentar uma vida mais sustentável e segura. Ao seu lado, Gionete, 28 anos, esposa e companheira de trabalho, com quem não possui filhos ainda.
Jaílson veio para trabalhar a serviço de um sujeito a quem ele chama de “Seu Sebastião”, o proprietário do local. Ele diz fazer parte de uma continuação do negócio. “Essa banca já existe a mais de quarenta anos, só estou puxando a carroça adiante, sou apenas um funcionário” - brinca.
Quarenta anos. ”Seu Sebastião” mantém funcionários trabalhando todos os dias da semana em sua banca. E se para ele soa um bom negócio, para Jaílson é trabalho que não acaba mais. “Todos os dias chegam revistas novas, mas também saem várias outras, então todos os dias eu faço a distribuição dos exemplares que chegam, e a seleção dos que vão sair para a reciclagem. E ainda atender todos os clientes!” Tarefa que sua mulher o auxilía, conta Jaílson.
A proposta de um emprego fixo na capital fez Jáilson deixar o Pará, onde levava uma vida pobre, ajudando seu pai como comerciante. Porém ele diz que agora está mais satisfeito que antes, trabalhando a oito anos num mesmo lugar. Ganha um salário suficiente para manter um apartamento numa quadra residencial próximo de onde trabalha. ”Se eu morasse em outra cidade satélite, teria que tomar quatro ônibus por dia, dois na ida e dois na volta, então esse é um ponto positivo do meu trabalho”, ressaltou Jáilson.
“Não é que eu não goste de ler. Simplesmente não tenho tempo para isso!” disse ele. “Além disso, eu não tenho condições de comprar revistas tão caras.” E citou algumas revistas mais populares.
Com todas as tarefas diárias de coordenação da banca, mal lhe sobra tempo para aventurar-se numa leitura. Jáilson é um grande leitor de capas.
quinta-feira, outubro 04, 2007
O Sonho de Marie
( Ilustração por João Miguel )
Sete horas da manhã. Marie levantou da cama, despiu sua pele de seda, amassada com a noite inquieta. Fez sua crônica matinal, ainda nua. Sentia-se bêbada da noite passada, junto a uma sensação de ter dormido não mais que alguns minutos. Então começaram os delírios.
Abriu a porta do quarto e adentrou na sala, como uma aventureira que adentra numa virgem caverna escura. De repente uma escada prateada a conduz ao andar seguinte, onde há uma porta entreaberta. Nua, desliza seu passo sobre os degraus. Hesita em escancarar a porta, então somente olha pela fresta aberta o que se encontrava do outro lado.
Viu um homem e uma mulher trocando nervosas carícias. O homem, arranhando a pele jovem e rosada, como quem deseja sua presa e certifica-se que ninguém mais a possuirá senão ele. A mulher, mesmo que submetida a dolorosas gasturas, corre com a ponta dos dedos seus ombros e costas, acariciando-o ternamente. Marie ao ver aquela cena sentiu vibrar o ventre, foi quando teve certeza que estava grávida.
Então todo o sólido chão desfez-se. Sentiu uma levitação que a empurrou contra a porta, caindo num precipício que dava para um fundo de luz clara ofuscante. Só quando o brilho diminuiu pôde ver a cena mais estrondosa de sua vida. Duas pessoas em volta de uma cama, contemplando uma mulher dando a luz. Estranhamente essas duas pessoas apenas olhavam, enquanto a mulher, berrando agonizada, paria seu fruto já maduro. Marie começou a chorar, e rezar, e chorou mais, desejando que todo aquele parto se abreviasse para que ela pudesse saber como era o rosto de seu filho.
Então a mulher solta seu ultimo suspiro e força a criança para fora de seu corpo, expelindo-o numa bacia posta entre suas pernas. Nesse momento um dos dois que estavam observando adianta-se e com uma faca velha e enferrujada, corta o cordão umbilical em dois pontos distintos, um perto do umbigo da criança e outro já na saída do corpo da mulher. O outro expectador, antes imóvel, também se adianta, pega o recém-nascido e embrulha-o num lenço negro de seda, enquanto o outro estende o fragmento de cordão umbilical e entrega-o a mãe. Os dois viram as costas e desaparecem na escuridão.
A mulher na cama permaneceu impassiva. Marie gritou. Gritou desesperadamente. Sangue jorrou em suas pernas. O mundo começou a silenciar. Marie agora gritava em silêncio. Pisca os olhos e, baque! Estava em sua cama. O relógio de cabeceira marcava exatamente seis horas e cinqüenta e nove minutos. Retomou a consciência. Ao seu lado ainda dormia o mesmo homem que enxergava em seu sonho, por entre a fresta da porta entreaberta. Sentiu o ventre vibrar.
Sete horas da manhã. Marie levantou da cama, despiu sua pele de seda, amassada com a noite inquieta. Fez sua crônica matinal, ainda nua. Sentia-se bêbada da noite passada, junto a uma sensação de ter dormido não mais que alguns minutos. Então começaram os delírios.
Abriu a porta do quarto e adentrou na sala, como uma aventureira que adentra numa virgem caverna escura. De repente uma escada prateada a conduz ao andar seguinte, onde há uma porta entreaberta. Nua, desliza seu passo sobre os degraus. Hesita em escancarar a porta, então somente olha pela fresta aberta o que se encontrava do outro lado.
Viu um homem e uma mulher trocando nervosas carícias. O homem, arranhando a pele jovem e rosada, como quem deseja sua presa e certifica-se que ninguém mais a possuirá senão ele. A mulher, mesmo que submetida a dolorosas gasturas, corre com a ponta dos dedos seus ombros e costas, acariciando-o ternamente. Marie ao ver aquela cena sentiu vibrar o ventre, foi quando teve certeza que estava grávida.
Então todo o sólido chão desfez-se. Sentiu uma levitação que a empurrou contra a porta, caindo num precipício que dava para um fundo de luz clara ofuscante. Só quando o brilho diminuiu pôde ver a cena mais estrondosa de sua vida. Duas pessoas em volta de uma cama, contemplando uma mulher dando a luz. Estranhamente essas duas pessoas apenas olhavam, enquanto a mulher, berrando agonizada, paria seu fruto já maduro. Marie começou a chorar, e rezar, e chorou mais, desejando que todo aquele parto se abreviasse para que ela pudesse saber como era o rosto de seu filho.
Então a mulher solta seu ultimo suspiro e força a criança para fora de seu corpo, expelindo-o numa bacia posta entre suas pernas. Nesse momento um dos dois que estavam observando adianta-se e com uma faca velha e enferrujada, corta o cordão umbilical em dois pontos distintos, um perto do umbigo da criança e outro já na saída do corpo da mulher. O outro expectador, antes imóvel, também se adianta, pega o recém-nascido e embrulha-o num lenço negro de seda, enquanto o outro estende o fragmento de cordão umbilical e entrega-o a mãe. Os dois viram as costas e desaparecem na escuridão.
A mulher na cama permaneceu impassiva. Marie gritou. Gritou desesperadamente. Sangue jorrou em suas pernas. O mundo começou a silenciar. Marie agora gritava em silêncio. Pisca os olhos e, baque! Estava em sua cama. O relógio de cabeceira marcava exatamente seis horas e cinqüenta e nove minutos. Retomou a consciência. Ao seu lado ainda dormia o mesmo homem que enxergava em seu sonho, por entre a fresta da porta entreaberta. Sentiu o ventre vibrar.
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